TROLLER: UMA HISTÓRIA MAL CONTADA DO INÍCIO AO FIM

Quando começou, em 1995, não passava de uma aventura empresarial em Horizonte, na região metropolitana de Fortaleza, CE, distante 40 quilômetros ao sul da capital cearense, sem grandes chances de sucesso. Mas, dois anos depois, a fábrica do jipe Troller (foto de abertura) foi adquirida por Mário Araripe, empresário da região, que investiu e ampliou suas instalações, além de tentar corrigir — tanto quanto possível — os problemas técnicos do produto.
Em 2006, Araripe
errou ao “esticar” o chassi do jipe para lançar uma picape, a Pantanal.
Mercadologicamente correto. Mas um desastre tecnológico pois faltou engenharia
no projeto e as longarinas (chassis) de quase todas as 77 unidades produzidas
começaram a trincar.
No ano seguinte
(2007), Araripe ganhou na loteria: a Ford pagou muitos milhões de reais por sua
fábrica. A gigante americana jamais revelou — é óbvio — o real motivo da
aquisição: herdar os incentivos fiscais concedidos à Troller pelos governos
estadual e federal. Com uma estratégica mudança geográfica: em vez de não pagar
impostos pela produção de uma centena de jipes por ano no Ceará, a Ford estaria
isenta também de tributos relativos a centenas de milhares de unidades do EcoSport
e Ka produzidas em Camaçari, na Bahia — no Nordeste, como o Ceará. Depois,
claro, de muita argumentação para convencer governadores e o presidente da
República (Lula…) dos incontáveis benefícios da operação para a pátria amada.
Ou alguém é
suficientemente ingênuo para acreditar que a Ford dependia da tecnologia de
Mário Araripe para produzir jipes?
A rigor, uma
grande maracutaia. Uma gigantesca sonegação de impostos rigorosamente
legalizada. Golpe de mestre da marca do oval azul.
Pressionada pelo
governo cearense — preocupado com demissões — a Ford manteve a produção do
Troller. Mas, assim que sua engenharia detectou a fragilidade da picape
Pantanal, nem tentou o recall: chamou logo os 77 donos (toda a produção…) e
comprou-os de volta, pagando o valor de mercado sem pestanejar.
Forçada a manter o jipe em produção, a Ford aprimorou-o, dotou-o de dezenas de componentes da Ranger, do EcoSport e todo seu know-how. Mas jamais arriscou afixar sua marca no jipe, ao contrário do que fez com os veículos Willys praticamente 40 anos antes. Nenhuma das mais de 26 mil unidades produzidas (desde 1996) foi jamais considerada um Ford pela Ford…
No início deste ano, quando anunciou que fecharia suas fábricas no país, abriu exceção para a do Ceará, que teria suas operações mantidas até o final deste ano, prazo considerado suficiente para vendê-la. Seus quase 500 funcionários comemoram seu destino, bem distinto dos 5.000 despedidos das instalações de São Bernardo do Campo, Camaçari e Taubaté.
Desde então, foram
anunciadas diversas tratativas do governo do Ceará e da Ford para a venda da
unidade de Horizonte e vários empresários se candidataram. Um deles assegurou
investimento de R$ 750 milhões na fábrica.
Até que, nesta
semana, a Ford dá o dito por não dito e volta atrás em seu compromisso de
vender a Troller. Simplesmente avisou que os eventuais interessados só levariam
galpão e máquinas. Porém, sem direito à marca nem ao produto. Verdadeira ducha
de água fria nas negociações que deixou indignados o governo do Ceará e os candidatos
ao negócio. Um deles investiu tempo e dinheiro nas negociações e se referiu à
Ford em termos impublicáveis…
Se a compra da
fábrica de Araripe teve contornos nebulosos, seu final também está cercado de
mistérios. A Ford, questionada, não se pronuncia: “Estratégia da
empresa”, e estamos conversados
Surgiram diversas
especulações sobre as causas dessa repentina e mal explicada guinada de 180º em
sua decisão.
Que valor teria
para ela a marca Troller? Levaria o projeto para outro país? Para a Argentina,
talvez, onde já fabrica a Ranger? Não assina contrato de fornecimento de
componentes para não se comprometer com o comprador?
Ou só
pretende, por motivos cabulosos, enterrar a marca?
De concreto, a Ford vai produzir o Troller até setembro, componentes de
reposição até novembro, e demitir os 470 funcionários.
Uma história mal contada do início ao fim…
A
coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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